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Por Victor Horácio de Souza Costa Júnior

A conduta adequada nas Meningites Bacterianas Agudas (MBA) envolve: alta suspeição diagnóstica, rápida identificação do agente, instituição imediata da terapêutica antimicrobiana contra o agente etiológico (quando este pode ser definido pelo exame inicial do LCR ou a instituição de terapêutica contra o agente ou agentes mais prováveis até a identificação deste (s)) e tratamento das complicações sistêmicas e neurológicas e dos fatores desencadeantes.
Considerando a gravidade, a alta letalidade e eventuais seqüelas, deve-se instituir o tratamento antimicrobiano antes dos resultados dos exames. Sua eficácia depende de vários fatores como: suscetibilidade do organismo ao antimicrobiano utilizado, atividade bactericida da medicação, capacidade da droga de penetrar no SNC, etc.
A escolha inicial dos antibióticos deve-se basear em sua ação bactericida sobre os agentes mais freqüentes, na faixa estaria do pacientes, no local de aquisição (hospital ou comunidade), assim como na análise dos fatores de risco. Após o antibiograma e a identificação completa do agente, deve-se adequar a terapêutica antimicrobiana.

Faixa etária

As MBA em recém nascidos de até 1 mês de vida são causadas por Streptococcus do grupo B, E. coli e Listeria monocytogenes; portanto o tratamento empírico inicial deve ser a associação de ampicilina e cefotaxima. Com o uso de ampicilina observa-se número menor de efeitos colaterais como flebites, nefrite intersticial e encefalopatia verificados com relativa freqüência quando se usa penicilina G cristalina. Nessa faixa etária deve-se evitar o uso de ceftriaxona, pois sua alta ligação protéica pode predispor ao desenvolvimento de Kernicterus. Como alternativa usa-se a ampicilina associada a um aminoglicosideo.
Na faixa etária de 4 semanas a 3 meses, os agentes mais freqüentemente encontrados são os Streptococcus do grupo B, E. coli, Listeria monocytogenes, H. influenzae e S. pneumoniae; portanto, a terapia sugerida é a associação da ampicilina com uma cefalosporina de terceira geração (cefotaxima ou ceftriaxona).
Nas meningites que ocorrem dos 3 meses aos 17 anos de idade, os agentes mais freqüentes são H. influenzae , S. pneumoniae e N. meningitidis; recomenda-se o uso de uma cefalosporina de terceira geração (cefriaxona ou cefotaxima) e, como alternativa, pode ser usada à associação de ampicilina ao cloranfenicol.
Nas MBA que ocorrem no adulto (18 a 50 anos), os agentes mais comuns são os S. pneumoniae e N. meningitidis; a terapia sugerida é uma cefalosporina de terceira geração e, como alternativa, a associação da ampicilina ao cloranfenicol.
Nas MBA que ocorrem após os 50 anos, ou em gestantes imunossuprimidos (transplante renal, etc), os agentes mais freqüentes são S. pneumoniae, N. meningitidis e L. monocytogenes. Portanto a terapia deve ser uma associação de uma cefalosporina de terceira geração a ampicilina.
Mas MBA após manipulação cirúrgica ou infecção de shunt, os agentes mais freqüentes são os S. aureus, S. coagulase negativos, P. aeruginosa e enterobactérias. O tratamento dependerá do perfil de sensibilidade desses agentes na instituição; sugere-se a associação da vancomicina a ceftazidima em hospitais com alta prevalência de Staphylococcus spp resistentes a oxacilina. Naquelas MBA após trauma ou fístula liquórica, os agentes mais comuns são os S. pneumoniae, outros estreptococos e H. influenzae. Portanto, a terapêutica deve recair sobre a cefalosporina de terceira geração.

Agentes

Após a identificação do agente, a terapêutica antimicrobiana deve ser dirigida especificamente contra o agente identificado.
No caso de S. pneumoniae, se for sensível à penicilina (CIM menos ou igual a 0,06 µg/mL) este antimicrobiano deve ser usado. No caso de S. pneumoniae intermediário à penicilina (CIM entre 0,06 e 1 µg/mL), a droga de escolha é cefalosporina de terceira geração. Deve-se ressaltar que esses estreptococos estão sendo cada vez mais encontrados em todo o mundo, inclusive no Brasil (20 a 30%), em decorrência de alteração cromossômica que determina alteração nas proteínas ligadoras das penicilinas. Por isso, antes de obter a sua identificação pelo antibiograma, a terapêutica empírica inicial no tratamento da meningite por esse agente deve ser obrigatoriamente cefalosporina de terceira geração. Felizmente é raro o encontro de cepas altamente resistentes à penicilina (CIM maior que 1 µg/mL). Nesses casos, a alternativa é o uso da vancomicina associada a cefalosporina de terceira geração. Geralmente, as cepas resistentes à penicilina também o são ao cloranfenicol, o que inviabiliza o uso deste antimicrobiana. A maioria das cepas de S. pneumoniae resistentes à penicilina são do sorotipo 23 e, por análise molecular, idênticas em várias partes do mundo.
A penicilina ou ampicilina permanece a droga de escolha para o tratamento das MBA causadas N. meningitidis, embora aumentos do nível de resistência tenham sido relatados em vários países. Portanto a visualização de diplococos gram-negativos aos pares no exame bacterioscópico inicial do LCR autoriza o início do tratamento com penicilina ou ampicilina.
A ampicilina ainda é a droga de escolha no tratamento de MBA por H. influenzae, entretanto a emergência de cepas produtoras de betalactamases (30 a 50%) obrigou a mudança da terapêutica antimicrobiana inicial . Embora muitas cepas ainda permaneçam sensíveis ao cloranfenicol, o uso da cefalosporina de terceira geração deve ser preferido por apresentarem resultados superiores.
Nos casos de meningites por P. aeruginosa, a droga de escolha é a ceftazidima associada a um aminoglicosideo, com o objetivo de tratar as manifestações extracerebrais produzidas por esse agente. Dado o alto grau de resistência em nosso meio, é importante guiar-se pelo antibiograma.
Terapia intratecal geralmente é desnecessária no tratamento das MBA adquiridas na comunidade, em razão do surgimento das cefalosporinas de terceira geração, que atingem vários níveis no SNC; além disso, são bactericidas para a maioria dos bacilos gram-negativos causadores de MBA hospitalares, o que praticamente eliminou o uso de aminoglicosídeos na maioria das situações. Ocasionalmente em meningites refratárias, o uso intracecal ou intraventricular pode ser considerado. A gentamicina poderá se utilizada no tratamento de meningites por enterococos quando o uso de ampicilina e gentamicina não for satisfatório. A dosagem para a via intracecal é de 2 a 4 mg por dia. Ao usar a amicacina a dose é de 5mg/dia para crianças e de 20mg/dia para adultos.
A vancomicina por via intracecal também poderá ser usada no tratamento de meningites por Staphylococcus aureus resistentes a oxacilina, quando o tratamento sistêmico não apresentar sucesso. A dose para via intracecal é de 4 a 20 mg/dia em adultos ou 0,5 mg/kg/dia em crianças.

Acompanhamento do tratamento

Procede-se a segunda punção por ocasião da alta, a fim de verificar se o líquor apresenta células em número abaixo de 100/ mm3 com predomínio de linfomononucleares, glicose e proteínas em taxas normais ou discretamente alteradas. As punções de líquor no decorrer do tratamento só devem ser realizadas quando houver má evolução clínica, quando não tiver outros elementos para avaliar o resultado terapêutico, ou quando se tratar de meningite por Pseudonomas ou tuberculose. Essas punções devem ser feitas com o máximo cuidado para evitar contaminação secundária.
Chama-se a atenção para o quadro extremamente grave, de evolução às vezes fulminante, levando a morte em algumas horas que caracteriza a septicemia, com ou sem meningite, produzida pelo meningococo. Esta é a Síndrome de Waterhouse-Friderichen de início abrupto, estado geral grave, exantema petequial, artralgia, perda da consciência e choque septicêmico. Diante desse quadro indica-se a administração imediata de doses elevadas de penicilina, paralelamente às medidas recomendadas no tratamento do choque septicêmico que não abordarei neste texto.
Inúmeros são os microorganismos que podem produzir meningites não-purulentas, isto é , com reação celular linfomononuclear. Dentre esses casos, salientam-se, por sua freqüência, a meningite por tuberculose, as meningites produzidas por fungos e o grande grupo das meningites produzidas por vírus, ao qual podemos associar o das leptospiras, por sua semelhança clinica e laboratorial.
Diante de quadro febril agudo, em que o LCR esteja límpido ou levemente turvo após 24 horas de doença, deve-se considerar a possibilidade de meningite por vírus ou por leptospira. Finalmente, quando o paciente apresenta quadro meníngeo associado à queda de estado geral, emagrecimento, sugerindo processo insidioso, e o líquor apresenta-se turvo, pode orientar-se para etiologia por tuberculose ou por fungos.
Para as meningites causadas por vírus e por lepstospiras, geralmente benignas, o tratamento é sintomático, exceto naquelas causados pelo herpes-vírus tipo 1 ou 2 onde o Aciclovir na dose de 10 mg/kg/dose de 8 em 8 horas deve ser considerado

Tempo de tratamento

O tratamento da meningite meningocócica é, em média, de sete dias (até cinco dias após o paciente se tornar afebril). Para as meningites causadas por H. influenzae, o tempo médio deve ser de dez dias (até sete dias após o paciente se tornar afebril). A terapêutica da meningite por S. pneumoniae deve ser mais prolongada: 10 a 14 dias, porque não é rara a presença de otite média, mastoidite ou possíveis focos metastásicos da infecção. Já as meningites hospitalares por bacilos gram-negativos, assim como as causadas por S. aureus e Staphylococcus coagulase-negativos, devem ser tratadas durante três ou quatro semanas em média, sobretudo se causada por P. aeruginosa.