Perguntas Frequentes Sobre Epilepsia no Consultório

Publicado: 17 de setembro de 2011 em Artigos Sobre Neuropediatria
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Por Paulo Breno Noronha Liberalesso.

Introdução

Durante a consulta de uma criança, que apresentou a primeira crise epiléptica, é comum que os pais tenham muitas dúvidas e, consequentemente, diversas perguntas são feitas. Nesse momento, é importante que o médico que assiste a criança explique de forma clara os principais aspectos das crises, como será o tratamento e o que os familiares devem esperar do futuro em relação à saúde neurológica do paciente. As dúvidas dos pais são as mais diversas, desde como administrar as medicações, os melhores horários, sobre as aulas de educação física, se o paciente poderá dirigir no futuro entre muitas outras questões. Desse modo, após alguns anos atendendo essas famílias, selecionamos algumas das mais frequentes perguntas feitas pelos pais bem como as respostas elaboradas de forma simples, objetiva e acessível ao público leigo.

Por que acontecem as crises epilépticas?

Nosso cérebro é formado por milhões e milhões de células chamadas neurônios e estas células comunicam-se através de impulsos elétricos e substâncias químicas denominadas neurotransmissores. Desta forma, nosso cérebro pode ser entendido como uma grande usina de energia elétrica, funcionando 24 horas por dia, enquanto estamos acordados e também enquanto estamos dormindo. As crises epilépticas ocorrem quando estes impulsos elétricos passam ocorrer de forma muito intensa, exacerbada. Quando somente uma pequena parte dos neurônios cerebrais passa a “descarregar” de forma exacerbada, provoca as chamadas crises epilépticas focais (ou parciais). Quando muitos neurônios dos dois lados do cérebro passam a descarregar de forma exacerbada acabam provocando as denominadas crises epilépticas generalizadas. As crises epilépticas parciais manifestam-se através do envolvimento de somente uma parte do corpo da criança como, por exemplo, um braço, uma perna ou somente o rosto. As crises epilépticas generalizadas manifestam-se através do envolvimento de todo o corpo. As crises epilépticas parciais podem ser basicamente de dois tipos: crises epilépticas parciais simples (nas quais não há perda da consciência) e as crises epilépticas parciais complexas (nas quais há perda da consciência).

Existem diferentes tipos de crises epilépticas?

Sim. O tipo de crise epiléptica depende fundamentalmente de qual região do cérebro está sendo comprometida no momento da crise. Como sabemos, cada pequena região do cérebro tem determinada função. Por exemplo, as regiões cerebrais posteriores (lobos occipitais) são as responsáveis pelavisão, logo, se a crise envolver estas regiões ela se manifestará através de alterações visuais. Nesse caso, o paciente pode ter alucinações visuais, turvamento ou escurecimento visual, visão dupla e movimentos piscatórios. Outro exemplo: as regiões mais anteriores do cérebro (lobos frontais) são as responsáveis por nossos movimentos, assim, caso a crise epiléptica envolva estas regiões cerebrais ela se manifestará através de alterações como aumento do tônus muscular, tremores, clonias, abalos ou espasmos. Desta forma, existem muitos tipos diferentes de crises epilépticas e por esse motivo é muito importante que os familiares que eventualmente tenham presenciado alguma crise a descrevam com o máximo de detalhes possível. O médico neurologista vai utilizar a descrição de quem presenciou o evento para descobrir em qual região do cérebro foi gerada a crise.

Crise epiléptica e epilepsia são a mesma coisa?

Não. Quando utilizamos o termo crise epiléptica ou crise convulsiva estamos nos referindo a somente um evento, somente uma crise isoladamente. Quando utilizamos o termo epilepsia estamos nos referindo a uma doença que se caracteriza pela ocorrência de crises epilépticas de forma recorrente e espontânea. Ou seja, uma criança portadora de epilepsia pode apresentar uma crise epiléptica a qualquer momento, sem nenhum aviso prévio, sem que haja algum fator desencadeante.

Crise convulsiva e crise epiléptica são a mesma coisa?

Não. Quando utilizamos o termo crise convulsiva ou simplesmente convulsão, estamos nos referindo a uma crise na qual há obrigatoriamente alguma movimentação do paciente, algum comprometimento motor. As crises que não tem nenhum (ou muito pouco) comprometimento motor (como, por exemplo, as crises de ausência) são crises epilépticas, mas não são crises convulsivas. Portanto, toda crise convulsiva é uma crise epiléptica, mas nem toda crise epiléptica é uma crise convulsiva. Para o público leigo, essa diferença é meramente “semântica”. Contudo, os profissionais de saúde devem conhecer a diferença e utilizar os termos corretamente.

Qualquer pessoa pode ter uma crise epiléptica?

Sim. De modo geral, qualquer pessoa pode apresentar uma crise epiléptica em qualquer momento da vida. Contudo, existem algumas fases da vida nas quais o risco é maior. Sabidamente, no primeiro ao de vida (particularmente no período neonatal) e após os sessenta anos de idade o risco aumenta consideravelmente. A cada mil bebês nascidos vivos, entre dois e cinco apresentarão pelo menos uma crise convulsiva nos primeiros trinta dias de vida. Nas crianças mais velhas, a prevalência de crise epiléptica é em torno de 5/1.000 habitantes (nos países desenvolvidos) e 10/1.000 habitantes (nos países em desenvolvimento). Nos idosos, principalmente após os sessenta anos, o risco de ter uma crise aumenta muito em decorrência do aumento na incidência dos acidentes vasculares cerebrais hemorrágicos ou isquêmicos.

Os recém-nascidos também podem ter epilepsia?

Sim. Atualmente sabemos que até mesmo antes do nascimento a criança pode apresentar crises epilépticas. É isso mesmo! As crianças ainda durante a vida fetal podem convulsionar. Há diversos relatos de gestantes que descrevem os bebês tendo crises mesmo dentro de seu ventre. As crises nos recém-nascidos são mais difíceis de serem diagnosticadas porque, na grande maioria das vezes, são mais discretas. Por este motivo, no período neonatal costumamos chamar muitos eventos epilépticos de “crises sutis”. Existem diversos fatores que aumentam o risco de um recém nascido desenvolver epilepsia, como por exemplo: prematuridade (quanto mais prematuro o bebê, maior o risco de evoluir com crises epilépticas no período neonatal), o uso de drogas ilícitas pela gestante, presença de malformações cerebrais, icterícia severa, baixo peso de nascimento (principalmente os bebês que nascem com peso abaixo de 1.500 gramas), idade avançada da gestante e histórico de epilepsia na família dos pais.

O que fazer durante uma crise epiléptica?

Inicialmente, a pessoa que está presenciando uma crise epiléptica deve agir com calma e pedir ajuda se necessário. O paciente deve ser colocado em um local seguro, pois não é raro que as crianças sofram lesões, principalmente na cabeça, devido traumatismos que poderiam ter sido facilmente evitados. Um local seguro pode ser encontrado em qualquer ambiente, como um sofá, uma cama ou mesmo um tapete. Em seguida, deve-se afastar do paciente qualquer objeto que possa provocar traumatismos, como mesas e cadeiras. O mais importante é sempre protegermos a cabeça da criança, evitando uma lesão desnecessária. O paciente deve ser mantido em decúbito lateral (deitado de lado) para evitar que aspire a saliva que normalmente é abundante durante a crise. Se a criança tiver qualquer coisa dentro da boca que possa aspirar, essa deve ser imediatamente retirada. Após estes cuidados iniciais, o paciente deve ser conduzido, até um setor de atendimento de emergência.

O que não fazer durante uma crise epiléptica?

Costumo dizer aos meus pacientes que mais importante que “o que fazer durante uma crise” é “o que não fazer durante uma crise”. Uma série de crendices são tão populares que acabam se confundindo com medidas realmente terapêuticas. A seguir farei uma breve lista do que não fazer durante uma crise epiléptica: não soprar no rosto do doente, não passar água, álcool, vinagre ou óleo no corpo durante a crise, não colocar a criança dentro de banheiras com água (nem quente e nem fria), não introduzir absolutamente nenhum objeto (como por exemplo, o cabo de uma colher ou outros talheres) na boca do paciente, jamais tentar segurar a língua e muito menos puxá-la para fora da boca e não fazer respiração boca a boca e nem massagem cardíaca (estes procedimentos são utilizados na reanimação de pessoas em parada cárdiorespiratória e por quem realmente saiba como realizá-los). Jamais segurar o paciente tentando conter seus movimentos durante a crise e não dar água ao paciente (isso, além de não contribuir em absolutamente nada na recuperação, pode agravar o quadro provocando asfixia e pneumonia).

Quais exames devem ser realizados quando uma criança tem uma crise epiléptica?

Atualmente existe um grande número de exames que podem ser realizados na investigação de crianças com epilepsia, como por exemplo, o eletrencefalograma, poligrafia neonatal, videomonitoração eletrencefalográfica, ecografia cerebral transfontanelar, tomografia de crânio, ressonância nuclear magnética do encéfalo, SPECT cerebral, tomografia por emissão de fóton único, tomografia por emissão de pósitrons, monitoração invasiva e semi-invasiva com eletrodos esfenoidais, eletrodos de forame oval, eletrodos de profundidade, placas e grades corticais entre outros. Contudo, o fundamental e certamente muito mais importante que a realização que qualquer exame subsidiário, é que a história clínica do paciente seja adequadamente coletada e que a descrição da crise epiléptica seja a mais completa possível. Como já dissemos anteriormente, a epilepsia é um diagnóstico clínico, até mesmo por que, frequentemente, crianças epilépticas,têm todos os exames subsidiários normais. De modo geral, a investigação inicial após a primeira crise deve ser realizada com um exame eletrofisiológico (eletrencefalograma de rotina) e por um exame de imagem (preferencialmente a ressonância magnéticado encéfalo).

Todas as crianças terão as crises controladas com as medicações?

Não. De um modo geral, em torno de 80% das crianças terão controle completo das crises epilépticas com uma ou com a associação de duas medicações antiepilépticas. Ao redor de 15 a 20% das crianças com epilepsia, não obterão controle completo das crises mesmo com o uso regular de drogas antiepilépticas associadas. Sabemos que nos casos em que os exames de neuroimagem demonstram a presença de lesões cerebrais (como os tumores, malformações ou lesões adquiridas) o controle das crises costuma ser mais difícil, quando comparados às crianças que têm exames de neuroimagem normais (sem lesão cerebral aparente). Quando utilizamos algumas drogas antiepilépticas sem haver resposta adequada, ou seja, sem o controle das crises, utilizamos o termo “epilepsia clinicamente refratária”. Algumas destas crianças podem ser submetidas a algum tipo de procedimento cirúrgico para o tratamento da epilepsia. As crianças que não respondem às medicações, e que não podem ser submetidas a nenhum procedimento cirúrgico, são denominadas portadoras de “epilepsia intratável”.

Alguém pode morrer durante uma crise epiléptica?

Sim, embora isso seja muito raro. O risco de morte durante uma crise é significativamente maior quando esta tem duração superior a trinta minutos. Pacientes que apresentam crises com duração superior a trinta minutos devem sempre ser conduzidos a um serviço de emergência para serem medicados e para a realização de alguns exames laboratoriais. A maior parte das pessoas que morrem durante uma crise convulsiva, não morrem diretamente devido ao fenômeno epiléptico, e, sim, de forma indireta devido acidentes, traumatismos cranianos ou complicações como as pneumonias aspirativas maciças.

Podem ocorrer falsas crises epilépticas?

Sim. Tanto as pessoas portadoras de epilepsia como aquelas que nunca tiveram uma crise podem, em determinadas circunstâncias, apresentar uma falsa crise epiléptica. Em momentos de grande ansiedade, alguns indivíduos podem desencadear uma respiração rápida e ofegante, levando à produção excessiva de dióxido de carbono, alterando a bioquímica sanguínea, e desencadear perda da consciência e movimentos que podem ser confundidos com uma crise epiléptica. Todavia, um médico experiente observando estas manifestações clínicas tem condições de diferenciar as crises epilépticas verdadeiras das falsas crises. A simulação de crises epilépticas é, estatisticamente, mais frequente no sexo feminino e a partir da adolescência.

E na escola? Para quem devemos contar que a criança tem epilepsia?

A maioria das crianças com epilepsia controlada pode ter vida social absolutamente normal, inclusive no ambiente escolar. De modo geral, orientamos que a família informe aos professores sobre a questão para evitar “surpresas” caso a criança apresente uma crise epiléptica enquanto se encontra na escola. Crianças com crises controladas podem realizar educação física regularmente, sem nenhuma restrição. Os jogos esportivos habitualmente desenvolvidos nas escolas durante as aulas de educação física não colocam a criança em risco e nem aumentam a chance de ocorrer uma nova convulsão. No caso de aulas de natação, não há restrição específica para os pacientes com crises controladas, desde que as aulas se desenvolvam sob supervisão de adulto capaz de prestar socorro em caso de crise convulsiva e afogamento.

A criança com epilepsia pode realizar exercícios físicos?

Para crianças com crises controladas, os jogos esportivos habituais como futebol, vôlei, basquete, tênis, ginástica de solo, corrida, podem ser realizados sem restrição. Como já dissemos anteriormente, a natação em ambiente fechado pode ser realizada desde que sob supervisão. Não são indicados esportes náuticos em espaço aberto. Por exemplo, evidentemente, o bom senso dos pais indicará que uma criança portadora de epilepsia (mesmo com crises controladas) não deve realizar natação em mar aberto, rios ou lagos, nem mesmo sob supervisão. São contra indicados esportes em altura como ginástica em barra, alpinismo, escalada, vôo com asa delta e pára-quedismo. Costumamos contra-indicar o uso de bicicleta em ruas movimentadas e sem supervisão. Durante a consulta, quando os pais perguntam sobre o que a criança pode e o que não pode fazer, costumo dizer: – Pergunte a você mesmo! Tudo que seu bom senso lhe disser que é perigoso deve ser evitado. Contudo, mesmo contando com o bom senso dos pais, devemos reforçar as explicações sobre os riscos envolvidos em cada modalidade esportiva, quais esportes podem ser praticados sem restrição e quais são temporariamente proibidos.

E o adolescente com epilepsia? Há algum cuidado especial?

A adolescência é uma fase em que uma série de hábitos pode aumentar o número e a intensidade das crises epilépticas, até mesmo em pacientes que vinham com controle das crises há bastante tempo. A ingestão de bebidas alcoólicas pode desencadear crises epilépticas em indivíduos previamente saudáveis (não epilépticos) e pode descompensar a epilepsia em pacientes com crises controladas. Outro problema que observamos muito frequentemente nos adolescentes epilépticos é a falta de adesão ao tratamento. Muitos adolescentes fazem uso irregular das drogas antiepilépticas e até mesmo interrompem o tratamento sem orientação médica e sem o conhecimento dos familiares. A privação de sono (dormir poucas horas durante a noite) pode agravar algumas síndromes epilépticas, particularmente a epilepsia mioclônica juvenil. E como se sabe, dormir pouco é um hábito comum para muitos adolescentes.

Pessoas com epilepsia podem dirigir?

Não há uma resposta única para essa questão que possa abranger todas as pessoas com epilepsia. A decisão sobre quem poderá obter ou renovar sua habilitação é individualizada e depende de uma criteriosa avaliação médica que pode envolver tanto o médico perito como o médico assistente do paciente. Em alguns países, existem normas específicas para a liberação de habilitação para pessoas com epilepsia como, por exemplo, estar com controle completo das crises há pelo menos 12 meses, não ser motorista profissional e conduzir exclusivamente carros de passeio. Em diversos países, pessoas portadoras de epilepsia (mesmo com as crises controladas) não recebem autorização para conduzirem veículos de transporte público e nem veículos pesados como caminhões e ônibus. No Brasil, sabe-se que muitos indivíduos portadores de epilepsia, até mesmo aqueles em tratamento regular com drogas antiepilépticas e com controle completo das crises, não mencionam a doença quando solicitam a permissão para dirigir ou no momento de renovação da habilitação. O ato de omitir a doença (epilepsia) ou mesmo o uso contínuo de medicação antiepiléptica constitui crime de falsidade ideológica regularmente previsto no Código Penal Brasileiro. Atualmente, no momento da primeira solicitação da habilitação ou na renovação da habilitação o solicitante deve preencher um questionário e a omissão deste dado (“ser portador de epilepsia”) gera um documento falso assinado. No Brasil, devido à falta de dados estatísticos confiáveis, não sabemos com certeza o número de indivíduos epilépticos envolvidos em acidentes de trânsito.

O que é a cirurgia para epilepsia?

Alguns pacientes portadores de determinadas síndromes epilépticas graves, não podem ter suas crises controladas satisfatoriamente com a utilização das medicações disponíveis no momento. Alguns destes pacientes podem ser submetidos a procedimentos cirúrgicos visando reduzir a intensidade e a frequência das crises (denominadas cirurgias paliativas), ou mesmo, visando obter o controle completo das crises (cirurgias curativas). Embora há mais de 50 anos se reconheça a possibilidade de remover cirurgicamente um foco epileptogênico, somente nas últimas duas décadas as técnicas cirúrgicas possibilitaram a realização destes procedimentos de forma segura e efetiva. Atualmente, estes procedimentos cirúrgicos são realizados tanto nas crianças como nos adultos. Certamente, o fator que mais contribui para o sucesso de uma cirurgia de epilepsia é a seleção criteriosa do paciente. Alguns exames pré-operatórios devem ser realizados rotineiramente, como o eletrencefalograma, a videomonitorização eletrencefalográfica (exame no qual tentamos gravar/filmar algumas crises epilépticasdo paciente para estudo) e a ressonância nuclear magnética do encéfalo. O paciente considerado “ideal” para indicação cirúrgica é aquele no qual há concordância entre a descrição das crises epilépticas (geralmente realizada pelos familiares), os exames eletrofisiológicos e a ressonância magnética. Nos últimos anos, os exames de neuroimagem têm ganhado cada vez mais importância na investigação pré-operatória em pacientes portadores de epilepsia.

O que é a disritmia cerebral?

O termo disritmia cerebral foi introduzido na literatura médica e na cultura popular, pelo casal americano Frederick A. Gibbs e Erna L. Gibbs, entre as décadas de 1920 e 1930. Provavelmente, quando este termo foi criado o objetivo era diminuir a carga de preconceito da sociedade sobre o real nome da doença: “epilepsia”. Contudo, após alguns anos, o termo “disritmia cerebral” perdeu seu significado original e passou a ser utilizado para designar diversas outras doenças neurológicas como o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, crises de perda de fôlego, síncopes, distúrbios de origem emocional e outras desordens neurológicas. Embora se trate de um termo em franco desuso, há muito tempo, ainda nos dias de hoje, é comum observamos algumas pessoas, inclusive médicos, falando e escrevendo sobre a “disritmia cerebral”. Resumindo, o termo “disritmia cerebral” não deve ser utilizado nem por médicos e nem mesmo pelos pacientes, uma vez que não tem seu significado definido. “Disritmia cerebral” não é sinônimo de epilepsia e nem mesmo se refere a uma forma particular de crise epiléptica.

Gardenal pode diminuir a inteligência das crianças?

O fenobarbital (Gardenal®) é uma das medicações antiepilépticas mais antigas e por este motivo uma das mais conhecidas e estudadas. Sua eficácia é considerada alta quanto ao controle de crises epilépticas. Nos dias de hoje, ainda permanece como uma das medicações mais utilizadas no tratamento de pessoas com epilepsia, principalmente nos países subdesenvolvidos e naqueles em desenvolvimento, devido seu baixo custo. Lembramos que em diversos países do mundo como, por exemplo, no Brasil, o fenobarbital é de distribuição gratuita na rede pública, o que certamente influencia a prescrição médica. Há muitos anos, os efeitos colaterais do fenobarbital são relatados e amplamente discutidos na literatura mundial. Logo após o início do tratamento com esta medicação, muitas crianças desenvolvem sinais de sonolência e outras de agitação, o que é um efeito que costuma desaparecer ou regredir consideravelmente após alguns dias ou semanas. Embora seja algo temporariamente incômodo para os pais, este não é um efeito colateral que realmente chegue a causar preocupação para os médicos. A grande questão envolvendo o fenobarbital é quanto a possibilidade de redução da capacidade cognitiva das crianças a longo prazo. Quer dizer, qual o risco de uma criança que faz uso desta medicação ter sua capacidade intelectual (sua “inteligência”) reduzida após alguns anos ou décadas? Embora muitos estudos tenham tentado responder a esta pergunta, os resultados são conflitantes a este respeito. Alguns autores utilizam o termo “barbiturismo” (palavra derivada de “fenobarbital”) para descrever os efeitos colaterais de sonolência, transtornos comportamentais e alterações cognitivas relacionadas ao uso crônico do fenobarbital. Evidentemente, a intensidade destes efeitos colaterais varia de um paciente para outro, na dependência de uma série de fatores, alguns relacionados ao próprio paciente, outros relacionados ao esquema de tratamento (como a dose utilizada, os horários de administração e até mesmo a associação com outras drogas antiepilépticas). Outro efeito colateral do fenobarbital, este mais observado em adolescentes e adultos, é o desenvolvimento de sinais e sintomas de depressão, que pouco ou nada respondem aos medicamentos antidepressivos. Embora se trate, indiscutivelmente, de uma medicação bastante eficaz no controle das crises epilépticas, o uso indiscriminado do fenobarbital vem sendo motivo de preocupação em diversos países do mundo. Ressaltamos que nas crianças menores, sobretudo naquelas abaixo de um ano, o fenobarbital permanece como uma das medicações mais utilizadas em todo o mundo. Sua indicação precisa (nos tipos de epilepsia sensíveis a esta droga) e por um período de tempo razoável não aumenta o risco de déficits cognitivos permanentes no futuro. A indicação de fenobarbital como droga de primeira escolha para tratamento de epilepsia nas crianças maiores, adolescentes ou mesmo nos adultos é uma conduta condenável nos dias atuais, uma vez que há um grande número de alternativas terapêuticas com menos efeitos colaterais e, muitas vezes, com maior eficácia.

Como diferenciar as crises epilépticas verdadeiras das “falsas crises”?

A denominação correta para as chamadas “falsas crises” é “crises psicogênicas não epilépticas”. Crises psicogênicas não epilépticas são eventos que simulam uma crise epiléptica embora não tenham origem em uma alteração elétrica do cérebro, como ocorre nos casos verdadeiros de epilepsia. É importante ressaltarmos que existe uma grande série de eventos que podem representar um diagnóstico diferencial com as crises epilépticas, como alguns distúrbios do sono (terror noturno, sonambulismo, narcolepsia), as síncopes, crises de perda de fôlego cianóticas e pálidas e algumas formas de distúrbios de movimento, entre outros. Contudo, o termo “crises psicogênicas não epilépticas” não se refere a estes pacientes e sim àqueles pacientes que consciente ou inconscientemente simulam uma crise com características muito semelhantes às de uma crise epiléptica verdadeira. Um fator complicador é que as crises psicogênicas não epilépticas podem, e frequentemente ocorrem, em pacientes que são portadores verdadeiramente de epilepsia. Ou seja, o paciente tem crises epilépticas verdadeiras e passa a apresentar, por motivos geralmente de ordem emocional, crises psicogênicas não epilépticas. Nestes casos, há necessidade de utilizarmos um exame denominado vídeomonitorização eletrencefalográfica, no qual filmamos o paciente realizando um eletrencefalograma durante algumas horas, tentando registrar um ou alguns desses eventos para posterior análise.

A “doença do bicho do porco” causa epilepsia?

Popularmente conhecida como “doença do bicho do porco”, a cisticercose é uma doença muito frequente, e até mesmo, endêmica em algumas regiões do Brasil. A cisticercose é provocada pelo acometimento dos hospedeiros intermediários (os porcos) e dos hospedeiros anômalos (os homens) pela larva da Taenia solium (o chamado cisticerco), o que ocorre quando o homem ingere a carne do porco contaminada com cistos viáveis. O cozimento ou fritura da carne do porco torna-a segura para alimentação humana. Os cisticercos têm predileção por determinados tecidos e órgãos do corpo humano, como os olhos, os músculos e o tecido cerebral. Quando atingem o tecido cerebral, os cisticercos provocam uma doença chamada cisticercose cerebral ou neurocisticercose, caracterizada pela formação de focos de lesão inflamatória cerebral que no futuro sofrerão calcificação. Estas lesões cerebrais podem provocar desde manifestações neurológicas menores (como falta de atenção e concentração) até epilepsias de difícil controle medicamentoso. Alguns casos de neurocisticercose podem desencadear grave processo inflamatório no tecido cerebral, particularmente nos pacientes com alguma deficiência de imunidade, levando a morte. A neurocisticercose é uma das principais causas de epilepsia em países subdesenvolvidos e em desenvolvimento, como o Brasil, uma vez que está intimamente relacionada às condições de saneamento básico da população. De forma resumida, quanto pior as condições de saneamento maior o risco neurocisticercose. O diagnóstico da neurocisticercose é geralmente feito após uma primeira crise epiléptica, na qual o paciente realiza um exame de neuroimagem e se constata um cisticerco. Caso a doença esteja ainda em uma fase inicial, o cisticerco pode estar “vivo”, provocando ativamente um processo inflamatório local. Se a doença tiver algum tempo de evolução, o que é mais frequente, o cisticerco é visto como um pequeno ponto branco na tomografia, indicando sua fase de calcificação. Ambas as lesões (tanto na fase aguda como na fase subaguda ou crônica) podem provocar crises epilépticas. Por fim, lembramos que no caso particular da neurocisticercose, o exame de tomografia de crânio é considerado superior à ressonância magnética do encéfalo por ser mais sensível na detecção de lesões cerebrais calcificadas.

Qual a melhor droga antiepiléptica para a mulher grávida?

Até alguns anos acreditava-se que o fenobarbital era a medicação com menor risco para o feto. Contudo, após a publicação de alguns relatórios americanos, a carbamazepina, a oxcarbazepina e a lamotrigima são consideradas as medicações mais seguras nessa situação. O valproato de sódio permanece como a droga com maior risco de desencadear malformações fetais.

Referência:

Liberalesso PBN. Perguntas frequentes sobre epilepsia no consultório. In: Liberalesso PBN (ed). Manual de Diagnóstico e tratamento das Epilepsias na Infância. Curitiba: UTP Editora; 2011. p. 116-131.

 

 

comentários
  1. Dr. Paulo, boa noite. Meu nome é Renata Azevedo e sou mãe de um garotinho de 4 anos e meio chamado Gabriel Manaya. Já estivemos em Curitiba, no Hospital Pequeno Príncipe, sob os cuidados do Dr. Alfredo Lohr e hoje fazemos o tratamento do Gabriel no Hospital Sírio Libanês com a Dra. Eliane Garzon. Há 2 anos estamos buscando um diagnóstico para o Gabriel e, atualmente, acredita-se que ele tenha Síndrome de Dravet associada a Síndrome de Noonan. Todos os médicos concordam que o caso do Gabriel é um caso raro, mais complicado. Li seu artigo sobre Dravet e vi meu filho ali em muitos trechos. Gostaria muito de entrar em contato com o Sr., seja por telefone ou por e-mail, para descrever o caso do Gabriel e ver se o Sr. tem interesse em acompanhar tbm. Meu e-mail é renatarasilva@gmail.com e meu celular é 27-9701-2021. Desde já agradeço. Att

  2. Elahine Moreira disse:

    Dr. Paulo,

    Tenho um filho de 18 anos que foi diagnosticado com epilepsia a partir dos 13 anos, quando teve a primeira crise. Depois de vários medicamentos e médicos diferentes sem que as crises fossem totalmente controladas, agora iniciamos o tratamento dele no hospital São Paulo, da UNIFESP e estamos com muita esperança em controlar as crises de alguma forma para que ele possa ter uma vida mais próxima do normal.

    Ele agora está escrevendo um blog sobre o problema dele e para divulgar a epilepsia, procurando ajudar outras pessoas com o mesmo problema. Caso o senhor se interesse, gostaria que fizesse uma visita: http://www.temporariamentefora.blogspot.com

    O pai acha que ele não deveria se expor falando sobre a doença, mas eu acho válido e acredito que fará bem a ele compartilhar as coisas que sente e as informações sobre a doença.

    Um abraço e obrigada por tantas informações valiosas!

  3. Maria Aparecida de Jesus disse:

    Dr Paulo tenho um neto que tudo indica que foi lesionado pós vacina DPT+ HIB , SABIM em 2002. Desde então começou minha luta para trazer ele de volta ao mundo que nasceu. Super bem, normal, durinho , sadio até que tomou a primeira vacina aos dois meses e começou com uma febre que durou dois anos 24 horas constante. Hoje ele tem 9 anos tem crises convulsivas de dificil controle, faz acompanhamento com um neuro pediatra, toma rivotril 12 gts a noite e Depakene 7 ml 2 x ao dia , e agora foi introduzido mais um medicamento para diminuir os espasmos que são muito frequentes. o ultimo resultado do eeg c/ mapeamento foi eeg com disfunção cortical paroxística generalizada pouca atividade potencial epileptogenica. O grande problema agora é que parece que essas medicações não fazem efeito, ele dorme as vezes um pouquinho de dia e um puquinho a noite, o restante da noite ele grita o tempo todo, não consiguimos dormir, acho que até os vizinhos já não conseguem dormir mais. me ajude o que devo fazer agora para ajudar meu neto. email: cidamedeiros61@hotmail.com

    • Olá Maria Aparecida,
      Crises convulsivas após quadros febris e vacinas é realmente um quadro relativamente frequente na neurologia infantil. Contudo, estas crianças normalmente não permanecem tendo crises convulsivas por tanto tempo como no caso de seu neto.
      Provavelmente as vacinas somente desencadearam um quadro de epilepsia já latente.
      Nestes casos, quando a epilepsia é do tipo generalizada (como parece ser o caso de seu neto) as medicações costumam controlar as crises de forma satisfatória em torno de 60 a 70% dos casos. Há algo em torno de 20 e 30% das crianças em quem as crises são de mais difícil controle, como parece ser o caso de seu garoto.
      Nestes pacientes, há muitas medicações que devem ser testadas. As medicações (Depakene e Rivotril) que seu neuropediatra prescreveu são medicações boas para crises generalizadas. Mas quando não se consegue controle com estas, é preciso trocar e tentar diversas outras até que se esgotem todas as possibilidades.
      Prezada Maria Aparecida, se vocês já estão consultando com um médico neuropediatra, fique tranquila e confie no trabalho dele. O profissional mais adequado para tratar uma criança portadora de epilepsia é realmente o neuropediatra.
      Há também alguns exames de imagem e de eletrofisiologia (como ressonâncias magnéticas de mais alta definição e exames de vídeo-monitorização eletrencefalográfica prolongada) que podem ajudar na investigação de epilepsias de mais difícil controle, como parece ser o caso deste garoto. Mas, certamente, seu médico sabe de tudo isso e pode orientar voc6es de forma adequada.
      Abraço e fiquem com Deus.
      Paulo Liberalesso.

  4. eugenio jose cortat disse:

    Dr. paulo ,minha esposa completou agora 51 anos e tem cisticercose calcificada ,ha algum tempo sem ter crise convulsiva tomando tegretol 400mlg, mas agora num espaço de 02 meses teve 02 crises de ausencia por uns 3minutos cada, o que devo fazer, obrigado

  5. Terezinha Morais disse:

    Olá Dr. Paulo, o meu irmão pediu que eu falasse com o senhor… por favor, o senhor tem um e-mail?

  6. dr.p
    como eu já teve a epilepsia na infancia como clipisia convulsiva aos 14 anos

  7. Nair Samóra disse:

    Ola, Dr. Paulo tenho quarenta e um amor há três, comecei com alguns sintomas como adormecimento do lado esquerdo e ao dormir, acordava como se estivesse tomado um choque e fico com falta de ar, adormece o lado esquerdo. Foi diagnosticado com epilepsia do sono. Tomo fenitoina de cem. Mas eu ainda tenho muitas dúvidas. Agora estou grávida do meu primeiro filho e gostaria e saber qual o risco pro bebê e para mim. Vê agradeço pela atenção. Nair moro em são mateus espí santo.

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